terça-feira, outubro 18, 2005
Congresso Micro'05-Biotec'05
Para os meus alunos das Engenharias Biológica e Biomédica, fica a sugestão do congresso Micro'05-Biotec'05 a decorrer na Póvoa de Varzim, de 30/11 a 3/12 (http://www.microbiotec2005.info/), da Sociedade Portuguesa de Microbiologia e da Sociedade Portuguesa de Biotecnologia. A organização está a cargo, em conjunto, do Departamento de Biologia da Universidade do Minho e da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa. Já é um sucesso de participação: 462 comunicações submetidas.
segunda-feira, outubro 17, 2005
Tarefa de paciência
Eis uma aplicação prática da genética de grande impacto social: a identificação de indivíduos desaparecidos devido a conflitos militares, catástrofes naturais ou soldados participantes em batalhas (ver Público de 15/10/05, página 30). É impressionante a quantidade de trabalho envolvido na identificação de vítimas de catástrofes ou de conflitos militares, pois não basta fazer a colheita de material biológico para fazer a análise (o que já é difícil em ambiente caótico pós-catástrofe), muitas vezes com material já em degradação. É preciso confrontar os perfis genéticos com os de familiares de desaparecidos e também cruzar as informações genéticas com outras de carácter antropológico e ainda outras, diversas, como por exemplo a presença de objectos pessoais junto ao cadáver. É um trabalho longo e lento que requer paciência como refere Thomas Parsons, consultor da Comissão Internacional para Pessoas Desaparecidas (ICMP), pois em muitos casos, os conflitos ainda não estão completamente resolvidos e é preciso envolver familiares em populações envolvidas em conflitos étnicos como por exemplo na Bósnia e Sérvia. Do conflito na ex-Jugoslávia, a ICMP tem o perfil genético de 15000 ossos, o que possibilitou a identificação de 8000 vítimas. Citando Thomas Parsons nesta entrevista: "...à medida que são identificadas mais pessoas, mais consciência há de que isto só é possível através da cooperação entre pessoas que já não estão em guerra. Serve para sarar as feridas da sociedade e permite a consciencialização de que aconteceu a todos uma tragédia e há uma solução comum."
segunda-feira, outubro 10, 2005
Vírus "ressuscitado"
A palavra ressuscitado é demasiado forte, pois implica regressar à vida e isto é coisa que não se aplica aos vírus. Mas não deixei de pensar nisso ao ler este artigo (Tumpey et al., 2005. Science 310: 77-80). Neste trabalho, os autores recuperaram RNA genómico do vírus da gripe que provocou a pandemia de 1918 a partir pulmões preservados em formalina de autópsias de pacientes e de pulmões de cadáveres que estavam enterrados no Alaska em solo gelado. Após sequenciação do seu genoma, determinaram a existência de 8 sequências genómicas codificantes tal como, obviamente, os seus "parentes" Influenza actuais.
Por genética reversa criaram, a partir duma estirpe viral actual, uma estirpe portadora das sequências genómicas da estirpe da pandemia de 1918 (mais uma vez reforço as aspas do ressuscitado do título uma vez que a recriação do vírus não é perfeita pois faltam as sequências das extremidades 3' e 5' do seu genoma que, não sendo codificantes, poderão regular a expressão dos genes virais e, assim, influenciar a replicação viral). Criaram em simultâneo outras estirpes recombinantes, contendo um ou mais dos genes da estirpe de 1918. Em laboratório, utilizando hospedeiros como células de rim de cão e ovos de galinha com embrião, testaram a replicação destas estirpes. O modelo que usaram para testar a patogenicidade foi o ratinho, e verificaram que a estirpe criada é muito mais virulenta que as actuais (até 39000 vezes). Por comparação dos dados de patogenicidade e replicação, concluiram que os genes codificantes para uma proteína do envelope viral (hemaglutinina) e os codificantes para a RNA polimerase são essenciais para a virulência.
Noutro trabalho (Taubenberger et al., 2005. Nature 437: 889-893), foram analisadas as sequências da polimerase do vírus de 1918 (também estudadas no trabalho de Tumpey e colaboradores) e comparadas com as de aves. A elevada homologia sugeriu que estas sequências virais têm origem em hospedeiros de aves e que a sua capacidade de transmissão a humanos se deveu a esta adaptação do vírus e não à recombinação entre estirpes virais humana e de ave coexistindo na mesma célula hospedeira humana. Identificaram mudanças de aminoácidos na polimerase por comparação com estirpes actuais que são semelhantes às apresentadas pela estirpe H5N1 responsável pela actual gripe das aves que já provocou a morte a cerca de 60 pessoas na Ásia. Ou seja, parece que esta estirpe da gripe das aves está a seguir o caminho evolutivo que leva à capacidade de transmissão a humanos com elevada virulência.
As vacinas vêm sempre com atraso uma vez que só se podem preparar a partir das estirpes existentes. Como de um ano para outro há acumulação de novas mutações, não se consegue imunização contra as estirpes que surgirão no próximo período de incidência da gripe. Esta "arqueologia biológica" realizada nestes trabalhos, permitiu a descoberta de sequências genómicas que poderão estar envolvidas na virulência do vírus (codificantes para a hemaglutinina e para a polimerase) e na mudança de hospedeiro de aves para humanos (codificantes para a polimerase com origem no hospedeiro avícola). Se é este o fenómeno que faz despoletar o aumento de virulência do vírus, incluindo a capacidade de transmissão a humanos, então deu-se um passo enorme no combate a estas pandemias de gripe, nomeadamente na possibilidade de criação de vacinas contra estirpes altamente virulentas.
Uma questão interessante se levanta nesta investigação. Será sensato publicar estas sequências com potencial de aproveitamento bélico, nomeadamente para grupos terroristas? E ao não publicar, não haverá o risco de dificultar a livre investigação e atrasar o combate a uma pandemia que os peritos dizer estar iminente? No entender do corpo editorial da revista Science, a melhor decisão é a da publicação. Sustentam esta posição na impossibilidade de previsão do efeito de observações científicas no estímulo de criação de novos tratamentos para o controlo de pandemias. Ao não restringir a divulgação de observações científicas, contribui-se genericamente para o surgimento de novas descobertas com aplicação útil sendo, eventualmente, maior o benefício para a sociedade do que o risco de potencial aplicação bélica. Esta será, na minha opinião também, a melhor maneira de contribuir para a prevenção da pandemia.
(fotografia: Centers for Disease Control and Prevention, USA)
quinta-feira, outubro 06, 2005
Incrível forma de vida
Se não tivesse sido publicado na Science (La Scola, B. et al. 2003. Science, 299. 2033; Raoult, D. et al., 2004. Science, doi: 10.1126/science.1101485; ambos disponíveis online), eu duvidaria da veracidade deste ser. Após a sequenciação do seu genoma pelo grupo de Jean-Michel Claverie, foi possível determinar que o mimivirus possui características tão extraordinárias para um vírus que parece apenas produto da imaginação. É o tamanho (enorme, comparado com outros vírus e maior que o de algumas bactérias), a composição em ácidos nucleicos (DNA e RNA, ao contrário dos vírus "normais"), o tamanho do genoma (1260 genes, comparável a muitas bactérias), a capacidade de produzir proteínas pelos seus próprios meios e a capacidade de reparação do seu próprio genoma, entre outras.
Se para os vírus (excluindo este, claro), não haverá grandes problemas em não os classificar como formas de vida (a imagem de cristais de partículas virais num tubo de ensaio é particularmente elucidativa), quando olhamos para este mimivirus, confrontamo-nos com a dificuldade em colocar esta "coisa" num dos lados da fronteira que delimita os seres vivos. Aquela ideia de simplicidade dos vírus constituídos por uma carapaça proteica envolvendo o genoma viral (composto por DNA ou RNA, e não ambos), codificando um reduzido número de proteínas e dependendo em larga escala da maquinaria enzimática da replicação, transcrição e tradução, está, assim, posta em causa.
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