A partir de embriões que pararam as divisões celulares Miodrag Stoijkovic e colaboradores criaram uma linha celular de células estaminais. O problema ético que pode ter sido ultrapassado com esta abordagem é o da possibilidade de destruição de uma vida humana em potência, uma vez que o embrião de que se partiu poderá ser considerado morto. Tal como é referido na notícia, há, no entanto, objecções baseadas na possibilidade da manutenção em laboratório desencadear a paragem de divisões do embrião e, obviamente, por ser difícil de determinar a sua morte (aparentemente a paragem de divisões celulares não será indicador seguro de morte embrionária).
A sensação que dá é a de nunca se conseguir uma abordagem completamente imune às críticas. Pode ser que se chegue lá; este pode ser o início. Há, no entanto, países como a Grã Bretanha que permitem o uso de embriões excedentários da tecnologia de fertilização in vitro como fonte de células estaminais. Previsivelmente, os países em que predomina a religião Católica Romana e, claro, o Vaticano opõem-se, com a curiosa excepção da Alemanha. É interessante também notar a frontalidade e sinceridade de Mariano Gago na sua abordagem na defesa da investigação em células estaminais embrionárias aquando da discussão na União Europeia para a decisão do seu financiamento:
Making an impassioned plea before the vote, the Portuguese science minister, José Mariano Gago, said: "I hope that none of the colleagues will ever need treatment which does not yet exist for dementia or Alzheimer's. If you find yourself in such a position, I hope you will be able to say you did not stand in the way of such research."
Coisa rara em políticos portugueses em Portugal!
segunda-feira, setembro 25, 2006
quarta-feira, setembro 20, 2006
"Vale a pena ir seguindo o caso" III
No seu post mais recente no Blasfémias, intitulado incorrectamente (acho eu) "Evolucionismo vs. Criacionismo: o estado do debate II", João Miranda coloca o evolucionismo em confronto com o criacionismo, mas aquilo que se limita a dizer é considerar que a ciência não é exclusivamente empírica (concordo), havendo uma componente racionalista importante (também). Sinceramente, continuo sem saber aonde é que entra aqui o criacionismo (por isso é que acho que o título está desadequado). Não sei se consciente ou inconscientemente, nesse texto não aparece uma única vez a palavra Deus, o que é de estranhar uma vez que é duma divindade inteligente e criadora do universo e da vida de que se fala quando se evoca o criacionismo.
Em conjecturas puramente teóricas poder-se-á chegar a um desígnio inteligente, a Deus, mas é no confronto com observações, com dados colhidos na experimentação que as conjecturas vão ser postas à prova. No caso do evolucionismo (quando evocado, fala-se de darwinismo), o avanço tremendo das ciências biológicas desde os finais do século XIX, passando pela biologia celular e genética (teoria cromossómica da hereditariedade, por exemplo) e biologia molecular (descoberta da estrutura do DNA, as mutações dos genes, transcrição, tradução, etc) até à genómica (com o advento da tecnologia de sequenciação de DNA em larga escala), o modelo que lhe é subjacente não sofreu praticamente nenhuma beliscadura. Tanto assim é que passou a falar-se de neodarwinismo porque o modelo criado por Darwin foi tão robusto não só resistiu à evolução científica como englobou os novos conhecimentos, a anos-luz de distância do conhecimento científico da sua época. É esta a força da ciência, os modelos teóricos ou conseguem explicar as novas observações (cada vez mais com técnicas analíticas mais refinadas) e mantém-se válidos, ou não os conseguem explicar e são postos de lado. Corrijam-me se estiver errado, mas nunca vi um único dado científico que sugerisse o criacionismo. E não vale avançar com o criacionismo quando se apontam "fragilidades" no evolucionismo; é que o evolucionismo afirma-se pela positiva (as observações vão-no corroborando) e aquilo que me é dado ver é a afirmação do criacionismo pela negativa, ou seja por enumeração de observações que eventualmente não sejam integradas no evolucionismo sem, porém, o refutar.
Em todos os textos científicos que me passam pela frente na minha actividade diária (e suponho que em todos os textos científicos sujeitos credíveis), nunca aparece a palavra Deus ou expressões como "criação espontânea", "desígnio inteligente" ou qualquer expressão que manifeste um propósito existencial duma proteína, de um indivíduo ou de uma espécie. E no entanto a ciência avança!
Em conjecturas puramente teóricas poder-se-á chegar a um desígnio inteligente, a Deus, mas é no confronto com observações, com dados colhidos na experimentação que as conjecturas vão ser postas à prova. No caso do evolucionismo (quando evocado, fala-se de darwinismo), o avanço tremendo das ciências biológicas desde os finais do século XIX, passando pela biologia celular e genética (teoria cromossómica da hereditariedade, por exemplo) e biologia molecular (descoberta da estrutura do DNA, as mutações dos genes, transcrição, tradução, etc) até à genómica (com o advento da tecnologia de sequenciação de DNA em larga escala), o modelo que lhe é subjacente não sofreu praticamente nenhuma beliscadura. Tanto assim é que passou a falar-se de neodarwinismo porque o modelo criado por Darwin foi tão robusto não só resistiu à evolução científica como englobou os novos conhecimentos, a anos-luz de distância do conhecimento científico da sua época. É esta a força da ciência, os modelos teóricos ou conseguem explicar as novas observações (cada vez mais com técnicas analíticas mais refinadas) e mantém-se válidos, ou não os conseguem explicar e são postos de lado. Corrijam-me se estiver errado, mas nunca vi um único dado científico que sugerisse o criacionismo. E não vale avançar com o criacionismo quando se apontam "fragilidades" no evolucionismo; é que o evolucionismo afirma-se pela positiva (as observações vão-no corroborando) e aquilo que me é dado ver é a afirmação do criacionismo pela negativa, ou seja por enumeração de observações que eventualmente não sejam integradas no evolucionismo sem, porém, o refutar.
Em todos os textos científicos que me passam pela frente na minha actividade diária (e suponho que em todos os textos científicos sujeitos credíveis), nunca aparece a palavra Deus ou expressões como "criação espontânea", "desígnio inteligente" ou qualquer expressão que manifeste um propósito existencial duma proteína, de um indivíduo ou de uma espécie. E no entanto a ciência avança!
domingo, setembro 17, 2006
"Vale a pena ir seguindo o caso" II
Confesso que não conheço "a longa história de debates sérios sobre" o criacionismo. Podem argumentar contra a minha posição que eu reconsiderarei se me convencerem, mas chamar ao criacionismo um "assunto intelectualmente sério" parece-me claramente um exagero (no mínimo). E depois não percebo a ligação entre o baixo número de candidaturas de estudantes para alguns cursos de ciências e o criacionismo.
Será melhor esclarecermos as coisas: uma coisa é ciência e outra é fé. A crença numa entidade inteligente criadora do universo e da vida é um assunto religioso, de fé. Não o questiono, pois a fé tem que ver com a consciência de cada um. Em ciência não há recurso a um ser inteligente. Criam-se modelos para tentar explicar as observações. Enquanto os modelos conseguirem explicar as observações e até possibilitarem prever resultados de experiências, serão válidos. Quando deixam de explicar as observações, fica-se num impasse mas recorre-se a outro modelo (nunca a Deus). É verdade que os modelos científicos não são perfeitos, mas daí a ver neles Deus (criacionismo) vai uma grande diferença.
O que me assusta nisto tudo não é os dados científicos serem discutidos e até rebatidos. É, sim, a classificação do criacionismo como algo cientificamente válido como parece ser a atitude de João Miranda. Daqui até começarem a fazer pressão para que o criacionismo seja ensinado nas aulas de ciências, é só um passo. Se me impuserem isso, desobedeço ou emigro.
Será melhor esclarecermos as coisas: uma coisa é ciência e outra é fé. A crença numa entidade inteligente criadora do universo e da vida é um assunto religioso, de fé. Não o questiono, pois a fé tem que ver com a consciência de cada um. Em ciência não há recurso a um ser inteligente. Criam-se modelos para tentar explicar as observações. Enquanto os modelos conseguirem explicar as observações e até possibilitarem prever resultados de experiências, serão válidos. Quando deixam de explicar as observações, fica-se num impasse mas recorre-se a outro modelo (nunca a Deus). É verdade que os modelos científicos não são perfeitos, mas daí a ver neles Deus (criacionismo) vai uma grande diferença.
O que me assusta nisto tudo não é os dados científicos serem discutidos e até rebatidos. É, sim, a classificação do criacionismo como algo cientificamente válido como parece ser a atitude de João Miranda. Daqui até começarem a fazer pressão para que o criacionismo seja ensinado nas aulas de ciências, é só um passo. Se me impuserem isso, desobedeço ou emigro.
sexta-feira, setembro 08, 2006
"Vale a pena ir seguindo o caso"
É assim que termina a crónica de hoje (sexta-feira, dia 8) de Vasco Pulido Valente no Público dedicada à discussão do criacionismo promovida pelo Papa Bento XVI. Estava convencido de que este fosse um problema exclusivo dos EUA em que conceituados cientistas e sociedades científicas travam uma batalha contra o ensino do desígnio inteligente em aulas de ciência. Esta iniciativa papal poderá dar força a alguma espécie de movimento de pressão para que se comece a questionar o ensino de ciência nas nossas escolas. A avaliar pelo artigo, no mesmo jornal, de Jónatas Machado, o poder de argumentação retórica na negação do método científico é grande. Numa sociedade em que abunda iliteracia e desinteresse pela ciência como a nossa, o criacionismo pode ir ganhando terreno. O artigo de J. Machado é um exemplo típico na defesa do desígnio inteligente. A explicação de todas as observações sobre história natural (registo fóssil, homologia de sequências de genes e proteínas entre seres vivos, por exemplo) com base num modelo que não pode ser testado (ser superior inteligente que criou e supervisiona a evolução), tem sido refutada desde há algumas décadas por Karl Popper. Não vale a pena refutar ponto a ponto as barbaridades científicas do artigo mas há uma frase de J. Machado que diz tudo: "As mutações e a selecção natural operam em informação preexistente, estando longe de explicar a origem da vida e a transformação de moléculas em pessoas" (o negrito é meu). Parece-me ver aqui implícito um vazio existencial pelo facto de nós, humanos, afinal podermos ser constituidos por matéria que também faz parte do resto do universo.
É perigoso este discurso dogmático embrulhado em argumentação científica manhosa (em que não faltam expressões típicas da gíria científica; fica bem). Vasco Pulido Valente tem razão: "Vale a pena ir seguindo o caso".
É perigoso este discurso dogmático embrulhado em argumentação científica manhosa (em que não faltam expressões típicas da gíria científica; fica bem). Vasco Pulido Valente tem razão: "Vale a pena ir seguindo o caso".
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