Uma das vantagens da ocorrência de acontecimentos negativos é a do poder que têm em provocar reflexão autocrítica e também a de possibilitar valorizar coisas a que estamos habituados a ter e que parecem fazer parte da ordem natural. A questão das caricaturas dinamarquesas fez-me lembrar como é importante a liberdade de expressão e como esta poderá estar em risco a avaliar por algumas reacções públicas por parte de responsáveis políticos. As fraudes científicas de Hwang e Sudbø tiveram eco na comunicação social, tendo mesmo, a de Hwang, forte impacto social e político. As revistas em que os resultados falseados foram publicados são conceituadíssimas, com factores de impacto enormes o que é reflexo do rigor colocado na revisão dos trabalhos que são propostos para publicação. Mesmo assim, surgiram estas fraudes (provavelmente haverá mais; acho que foi Hitchcock que disse que o crime perfeito existe mas como é perfeito não tomamos conhecimento dele) e uma das reacções na comunidade científica foi a de começar a questionar os métodos de revisão dos trabalhos submetidos (esta é uma boa consequência a que me referia no início). O último número da Nature vem com várias cartas, algumas das quais com sugestões radicais como a introdução das forças do mercado para melhorar o sistema, a diminuição do número de publicações para evitar a divulgação de trabalhos inúteis (considerados também como uma forma de fraude), auditoria a resultados publicados, defesa de maior contacto entre "referees" e editores (de facto aconteceu-me a mim como "referee" discordar de uma afirmação particular no artigo analisado que não foi tido em conta pelo editor sem que me tivessem sido dadas explicações).
Das reacções que li, nenhuma pôs em causa o sistema de revisão pelos pares (esta é a segunda: valorização do que temos; apesar de tudo, a ciência é das actividades humanas mais abertas à discussão com constantes avaliações dos resultados publicados), no entanto foram apontadas muitas deficiências que são sentidas por todos. Para mim, parece-me que uma maior abertura do sistema de revisão por árbitros, tornando-o mais transparente, com maior contacto entre os intervenientes no processo será inevitável (o extremo destas alterações será a aplicação da filosofia "open access" ao sistema, de que já dei referência anteriormente.
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