quinta-feira, fevereiro 22, 2007
"And you have burned so very very brightly, Roy"
A questão da libertação para o ambiente de organismos geneticamente modificados é naturalmente uma questão com impacto na sociedade devido ao perigo potencial de transmissão horizontal de genes para organismos selvagens. Uma maneira de abolir a proliferação daqueles é a de programar geneticamente o seu suicídio. Já foram criados sistemas com genes que codificam proteínas que promovem a degradação da parede celular ou da membrana plasmática e que são activados por determinadas condições ambientais. Neste artigo de Andrea Balan e Ana Clara G. Schenberg da Universidade de São Paulo, é caracterizado um destes sistemas que difere pelo facto da proteína tóxica ter como alvo o DNA. Teoricamente, estes sistemas serão muito mais eficazes na prevenção da transferência horizontal de genes por razões óbvias. Na realidade, Balan e Schenberg demonstram elegantemente isso mesmo (num post anterior fiz referência a uma investigação que poderá contribuir para esta estratégia de segurança nos mutantes).
Ao ler esse artigo, veio-me logo à memória a obra de ficção científica Do Androids Dream of Electric Sheep?, de Philip K. Dick e adaptada ao cinema por Ridley Scot, precisamente devido à questão existencial dos andróides provocada pela limitação de tempo de vida programada durante o seu fabrico. O diálogo entre Roy, a melhor criação de Tyrell, e o seu criador é belíssimo, com uma atmosfera bíblica em que a criatura questiona o criador no momento da sua "crucificação" após ter cumprido a sua missão:
...
Roy: It's not an easy thing to meet your maker.
Tyrell: And what can he do for you?
Roy: Can the maker repair what he makes.
Tyrell: Would you like to be modified?
Roy: Stay here. -- I had in mind something a little more radical.
Tyrell: What-- What seems to be the problem?
Roy: Death.
Tyrell: Death. Well, I'm afraid that's a little out of my jurisdiction, you--
Roy: I want more life, fucker.
Tyrell: The facts of life. To make an alteration in the evolvment of an organic life system is fatal. A coding sequence cannot be revised once it's been established.
Roy: Why not?
Tyrell: Because by the second day of incubation, any cells that have undergone reversion mutations give rise to revertant colonies like rats leaving a sinking ship. Then the ship sinks.
Roy: What about EMS recombination.
Tyrell: We've already tried it. Ethyl methane sulfonate as an alkylating agent a potent mutagen It created a virus so lethal the subject was dead before he left the table.
Roy: Then a repressive protein that blocks the operating cells.
Tyrell: Wouldn't obstruct replication, but it does give rise to an error in replication so that the newly formed DNA strand carries the mutation and you've got a virus again. But, uh, this-- all of this is academic. You were made as well as we could make you.
Roy: But not to last.
Tyrell: The light that burns twice as bright burns half as long. And you have burned so very very brightly, Roy. Look at you. You're the prodigal son. You're quite a prize!
Roy: I've done questionable things.
Tyrell: Also extraordinary things. Revel in your time.
Roy: Nothing the god of biomechanics wouldn't let you in heaven for.
terça-feira, fevereiro 20, 2007
A ciência na Web 2.0
Serão os editores de jornais científicos os pioneiros da Web 2.0? Serão o Youtube, o Flickr, a Science e a Nature os paradigmas da nova Web? Uma reflexão interessantíssima no Biocurious sobre o posicionamento dos editores científicos na nova Web, na qual é destacado justamente o papel da PLoS ONE em oposição ao resto da indústria da publicação científica.
"Daisy"
Com uma plataforma molecular capaz de fixar fragmentos de DNA e proteínas funcionais que actuem nesses fragmentos e com recurso à tecnologia de microssistemas de fluxo, o grupo de Bar-Ziv, da Weizmann Institute of Science em Israel, expressou dois genes colocados em bandas alternadas num destes chips biónicos em que um deles codifica uma proteína que é necessária para a produção da proteína codificada pelo outro gene. A possibilidade de desenhar sistemas com a colocação de genes fisicamente próximos e associados por relações de interdependência de actividade pode assim permitir criar chips complexos como por exemplo fábricas bioquímicas em ambiente não celular e módulos de integração de informação que poderão vir a constituir biocomputadores.
Bar-Ziv e colaboradores chamaram a este sistema molecular "daisy". O imaginário dos cientistas às vezes é insondável, mas neste caso parecem ter exagerado. É certo que não cairam na situação clássica de designações baseadas na mitologia grega, mas chamar o nome de uma florzinha a um sistema que poderá ser a base de seres biónicos é como imaginar o Arnold Schwarzenegger com uma margarida colocada numa orelha enquanto dispara a espingarda de canos serrados. A não ser, como suspeito, que o nome tenha sido inspirado pela forma do chip ou outra característica importante.
sexta-feira, fevereiro 16, 2007
Biologia em imagens
Os premiados da competição Olympus BioScapes Digital Imaging de 2006, um concurso anual da Olympus de microfotografias de biologia, foram publicados na Scientific American. Custa a crer que estas fotografias não são coloridas digitalmente (pelo menos aquelas em que há referência explicita à técnica de fluorescência).
Obrigado ao nobelium pela indicação; co-autor do Electro:n onde se divulga boa música em podcasts.
Obrigado ao nobelium pela indicação; co-autor do Electro:n onde se divulga boa música em podcasts.
Previsões científicas
Alguns cientistas fazem previsões a curto prazo nas áreas em que são líderes. Destaco a evolução humana e doenças infecciosas com o progresso no conhecimento do genoma humano; a astrobiologia (em 2007 a tecnologia humana estará a operar simultaneamente em 5 planetas, incluindo a Terra) e a excitante perspectiva de encontrar formas de vida extraterrestres; e a genómica sintética. Neste caso Drew Endy do MIT apresenta cenários bem definidos como a síntese de fragmentos de DNA com 15.000 nucleótidos a 0,5 dólares/base e a montagem de moléculas de DNA de 10.000.000 pares de bases. Depois destas marcas atingidas ficará ao dispor a possibilidade de criar organismos procarióticos e cromossomas de eucariontes. À rotina actual de encomendar oligonucleótidos para a investigação, juntar-se-á a de encomendar moléculas de 15.000 pares de bases ou de 10.000.000 para tentar criar um organismo com um comportamento previsível.
Vai ser interessante.
Vai ser interessante.
terça-feira, fevereiro 13, 2007
Células brilhantes
Tomei conhecimento através do excelente SEMCIÊNCIA de Osame Kinouchi de um video fascinante do início do desenvolvimento embrionário de Drosophila melanogaster. O video ganhou o primeiro prémio de video do concurso de 2006 de arte da ciência da Universidade de Princeton. A dinâmica e sobretudo o sincronismo das divisões celulares estão aqui evidenciadas graças à marcação fluorescente das histonas.
A tecnologia de marcação de fluorescência e de microscopia de fluorescência têm permitido ver coisas espantosas em biologia celular. Um exemplo é o emprego de "spectral unmixing", um algoritmo que, aplicado a imagens obtidas com microscopia de fluorescência, permite a discriminação dos diferentes componentes do sinal, possibilitando a identificação simultânea de fluorocromos diferentes na mesma amostra. Isto pode levar a técnicas de diagnóstico relativamente simples e não invasivas como parece indicar este trabalho de análise da autofluorescência resultante do cofactor FAD de cardiomiócitos de rato.
segunda-feira, fevereiro 12, 2007
Cometas
Embora este não seja um dos típicos (não deixando de ser deslumbrante; ver aqui também o cometa McNaught), é pela semelhança de aspecto que se denomina cometa ao ensaio laboratorial a uma célula com danos no DNA submetida a electroforese em condições que permitam a migração do DNA sem que o envelope nuclear e a membrana plasmática constituam um obstáculo (a foto representa um destes "cometas"). Bom, em rigor, designa-se Single-Cell Gel Electrophoresis, ou electroforese em gel de uma célula (como sempre a designação inglesa soa melhor embora, admito, possa ser preconceito meu). O ensaio baseia-se na área de dispersão do DNA genómico quando sujeito a um campo eléctrico; quanto mais extensos forem os danos (através da quebra de uma ou das duas cadeias do DNA), maior a área da cauda do "cometa". Assim, numa condição limite de ausência de danos, a célula evidenciará ausência de cauda. Pela simplicidade de execução e versatilidade de aplicação a amostras de células, permitindo o tratamento com compostos que induzem danos e também com compostos protectores do DNA antes do ensaio, é um teste útil na pesquisa de novos fármacos e de estudos toxicológicos.
quinta-feira, fevereiro 08, 2007
terça-feira, fevereiro 06, 2007
Aroma de levedura
Não será razão para comer menos e tapar o nariz sempre que sentimos o cheirinho de boa comidinha, mas as moscas do vinagre parecem beneficiar, em termos de tempo de vida, com a restrição calórica e com a ausência do odor do seu alimento preferido (a levedura). A restrição calórica tem sido já discutida há algum tempo, agora a questão do cheiro do alimento é nova. O que poderá estar em causa é o sinal para a execução de tarefas de manutenção do organismo e de preparação para restrição alimentar que a falta de detecção de alimento (por via do olfacto) pode provocar. Isto é coerente com a descoberta de que mutantes da mosca afectados nos receptores de olfacto também beneficiam de um prolongamento do seu tempo de vida; o estímulo para a manutenção e preparação do organismo para tempos difíceis seria permanente. No entanto, há outra hipótese, não contrariada pelas observações, que é a possibilidade das leveduras poderem emitir alguma substância com um efeito fisiológico relacionado com o tempo de vida das moscas. Outra ainda é a da possibilidade das estirpes laboratoriais serem seleccionadas para reprodução precoce, encurtando o seu tempo de vida de maneira a que este tipo de experiências tenha resultados exagerados e sejam de significado biológico limitado.
Foto: André Karwath
domingo, fevereiro 04, 2007
Para evitar que o feitiço se vire contra o feiticeiro
A grave resistência a antibióticos constitui um assunto fundamental de saúde pública e um problema científico interessantíssimo (reparem na ausência de microrganismos em redor de algumas colónias na fotografia) para o qual fui chamado à atenção, através de um comentário na Molecular Microbiology sobre um problema que lhe é directamente relacionado: a resistência dos organismos produtores de antibióticos ao próprio antibiótico que produzem. Em termos puramente conceptuais as estratégias a seguir para este tipo de protecção incluiriam a modificação da molécula de antibiótico de modo a atenuar ou a perder reversivelmente a sua actividade (enquanto não é segregado da célula), modificação do alvo para que a ligação com o antibótico passe a ser de baixa afinidade e garantir que o antibiótico acabado de ser produzido nunca atinja concentrações tóxicas no interior da célula através, por exemplo, de um sistema de transporte na membrana plasmática que exporte o antibiótico. De facto já foram identificados estes mecanismos em estirpes bacterianas produtoras de antibióticos. No caso do transportador do antibiótico, actuando como exportador, há uma função dupla de protecção e de disseminação do antibiótico para actuação no ecossistema, possibilitando a eliminação de competidores. A regulação temporal da expressão de genes tem também importância. Normalmente a produção do antibiótico ocorre em fases tardias do ciclo de crescimento da comunidade bacteriana, enquanto que os genes responsáveis pela resistência são expressos em fases mais precoces.
Enquanto que na resistência adquirida de uma estirpe a um determinado antibiótico pode ocorrer via transferência horizontal de genes (mediado por plasmídeo ou bacteriófago; o mundo científico também é pequeno!), ou seja a posteriori, este tipo de relações ecológicas microbianas não faz sentido quando a protecção é contra uma característica do próprio organismo, ou seja, a produção do antibiótico e a respectiva resistência tiveram que ser seleccionadas simultaneamente. Notavelmente, os genes da biossíntese de antibióticos estão ordenados num agrupamento contínuo no cromossoma, incluindo pelo menos um gene de resistência e, frequentemente, um regulador dessa via de biossíntese, sugerindo que todo o este bloco genético existe como uma unidade funcional e, como tal, susceptível a selecção natural.
Um mecanismo molecular de regulação da expressão dos genes envolvidos neste tipo de protecção é por ligação do antibiótico a um repressor da expressão desse(s) gene(s). Isto faz com que o repressor perca afinidade para a RNA polimerase, podendo assim ocorrer transcrição. O que acaba de ser demonstrado é que formas precursoras do antibiótico podem exercer este mesmo efeito de repressão do repressor (designado pelos autores por "feed-forward"), possibilitando a desrepressão do gene que codifica para o transportador responsável pela exclusão desse antibiótico. Neste sistema, a garantia de protecção é total: a forma precursora inactiva do antibiótico induz a adaptação de protecção contra a sua forma activa.
Foto: Alexandra Nobre, Departamento de Biologia da Universidade do Minho.
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