quinta-feira, janeiro 25, 2007

O triunfo de Lamarck?*

Se se isolar e sequenciar DNA de solo colhido de uma fonte hidrotermal, devem-se identificar genes que codificam para proteínas com potencial em termos de resistência a temperaturas elevadas (as aplicações biotecnológicas destas proteínas são enormes na investigação, clínica, indústria alimentar, indústria química, etc). Esta é a abordagem metagenómica; estudo de genomas obtidos a partir de amostras de fontes naturais (habitats de microrganismos). Se a abordagem é com um fim de aplicação biotecnológica, nem é preciso ter-se o trabalho de identificar os organismos a que pertencem os genes identificados. Aliás, mesmo para estudos fundamentais, a visão de que há genes que são partilhados por genomas de espécies diferentes numa comunidade microbiana (transferência horizontal de genes) está a ter forte aceitação. Um dos exemplos é a publicação na Nature de um pequeno ensaio anunciando a próxima revolução da Biologia em que o último autor é Carl Woese (esse mesmo, das arquebactérias). Assim, há genes que se transferem livremente entre eubactérias e arquebactérias, entre arquebactérias e eubactérias, entre estirpes de cada um destes grupos filogenéticos e entre vírus e todas as células. Todo este processo é dinâmico e estará dependente das condições ambientais, provocando a mudança de hospedeiro por parte de genes (o triunfo, se é que precisa dele, também é de Richard Dawkins com esta extensão do seu conceito de gene egoísta). Em microbiologia, quando se faz o isolamento de microrganismos em colónias não é mais do que uma análise puramente conceptual da comunidade microbiana de que se parte, pois cada estirpe isolada não fará sentido biológico sem a presença dos restantes membros da comunidade.

No seu ensaio, Goldenfeld e Woese consideram que os primeiros passos evolutivos foram feitos segundo o modelo lamarckiano de transferência genética horizontal, com predomínio sobre o modo vertical, e que o fluxo de genes numa população (em que incluem também energia e matéria) vai abrir campo a uma Biologia mais quantitativa com modelos teóricos com capacidade de previsão, como a biologia de sistemas, fazendo com que se assemelhe com a Física.

*Há também uma referência a Darwin (o título deste post poderia induzir em erro se não o mencionasse) em que os autores refutam a colagem do darwinismo à evolução. Não negando a sua importância, afirmam que outros mecanismos devem ser considerados.


Foto: Galerie des naturalistes de J. Pizzetta, Ed. Hennuyer, 1893

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