(Carl Woese, 1928-2012. Foto: Don Hame)
Na parte final da Guerra dos Mundos de H.G.
Wells, o narrador, referindo-se aos invasores marcianos que sucumbiram apenas
às bactérias do nosso planeta, afirma (tradução minha) "Mas não há
bactérias em Marte e, assim que estes invasores [marcianos] chegaram, eles
beberam e comeram, os nossos aliados microscópicos começaram a
derrotá-los.". Isto corresponde ao nosso imaginário sobre as bactérias:
organismos "invisíveis" e perigosos.
Mas há outra característica que muitas
partilham: a resistência a condições extremas. No entanto muitas das
resistentes, as arquebactérias, não são verdadeiras bactérias. Podem ser
consideradas bactérias no sentido celular, ou seja, são procarióticas (células
simples sem núcleo) ao contrário das nossas, eucarióticas (com núcleo, contendo
os cromossomas). É ao nível molecular que se encontram as diferenças mais
marcantes que as colocam tão distantes filogeneticamente das bactérias
verdadeiras (eubactérias) como os organismos eucarióticos (animais e plantas,
por exemplo).
Esta distinção deve-se ao trabalho pioneiro de
Carl Woese, infelizmente falecido recentemente no final de 2012. Woese aplicou
as técnicas de sequenciação de DNA para determinar a sequência do RNA
ribossomal, existente em todos os seres vivos, e compará-la entre espécies
bacterianas. Com esta abordagem o que Woese fez foi reescrever toda a história
evolutiva dos procariotas porque os dois sistemas de classificação (clássico,
baseado em características morfológicas e bioquímicas, e o molecular, de Woese)
coincidiam em muitos casos excepto num grupo de "bactérias", as
arquebactérias, cujas sequências eram tão diferentes como as nossas são das
verdadeiras bactérias. Eis o contributo revolucionário de Woese, a composição
de uma molécula, o RNA ribossomal, foi usada como uma medida da evolução
biológica, possibilitando o seu uso na classificação dos seres vivos.
Apesar dos dados moleculares, apoiando a
separação das arquebactérias das eubactérias, serem tão fortes há
características mais "clássicas" que as separam. As arquebactérias
são organismos "do outro mundo" porque habitam fontes hidrotermais,
em alguns casos com temperaturas acima dos 100ºC ou com acidez perto do limite
da escala de pH e ambientes com concentrações saturantes de sal. Algumas até
são 6000 vezes mais resistentes a radiações do que seres humanos. Bom, se não
há mesmo bactérias em Marte, como disse Wells, não é pela falta de adaptação às
condições do planeta vermelho.
Publicado no Correio do Minho (28/2/13) e acessível na página da Escola de Ciências da UMinho.
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