domingo, novembro 06, 2005
O genoma do chimpanzé
Com a sequenciação do genoma do chimpanzé (Mikkelsen et al., Nature 437: 69-87) é possível comparar os genomas do Homo sapiens com o de Pan troglodytes para tentar determinar que genes determinam as características humanas como a capacidade craniana, desenvolvimento do cérebro e bipedalismo.
As diferenças encontradas no tipo de mutações de um só nucleótido (que reflectem pressão selectiva) entre os dois genomas não são muito diferentes das encontradas entre genomas de humanos (apenas 1,23%). Aparentemente, a evolução para o ser humano deveu-se a uma proporção baixa de mutações vantajosas, ao contrário do que se poderia esperar.
Todavia, a questão poderá estar nas duplicações e inserções/eliminações de segmentos de cromossomas. As diferenças encontradas a este nível já são maiores (2,7% e 3%, respectivamente) do que as de mutações por substituição de um só nucleótido. Tomando apenas estes dados da quantificação de processos moleculares (sem atender às respectivas consequências evolutivas, até porque ainda são muito difíceis de prever), parece que a humanização poderá estar nas inserções/eliminações e duplicações. De acordo com Wen-Hsuing e Saunders do Department of Ecology and Evolution, University of Chicago (Wen-Hsiung and Saunders, Nature 437: 50-51), há cerca de 7000 elementos Alu (sequências de DNA móveis denominadas transposões que podem inserir-se noutra região do genoma) no genoma humano e apenas cerca de 2300 no chimpanzé. Já no que diz respeito a duplicações de segmentos maiores que 20 milhões de nucleótidos, 33% das duplicações "humanas" correspondem a regiões específicas de humanos (levando geralmente a aumento de expressão), enquanto que, no caso dos chimpanzés, cerca de 17% é que são de sequências específicas de chimpanzés.
Em suma, há 35 milhões de diferenças a nível de nucleótidos, 5 milhões a nível de inserções/eliminações e muitos rearranjos cromossomais. A chave da humanização deverá ser encontrada aqui. Para compreender como é que estas alterações no genoma se manifestam (agora sim, tentar entender as consequências evolutivas de difícil previsão), há, de acordo ainda com Wen-Hsiung and Saunders, três hipóteses:
1. Evolução de proteínas. Seria de esperar que genes codificando proteínas envolvidas na actividade cerebral tivessem, em humanos, mais mutações pontuais (substituição de um só nucleótido) que signifiquem alteração de aminoácidos (não-sinónimas) do que aquelas que não provoquem alteração no aminoácido que é codificado pelo codão (sinónimas). Na verdade, os genes que apresentam mais mutações não-sinónimas que sinónimas, codificam para proteínas envolvidas na interacção hospedeiro-patogénio, imunidade e reprodução. Aparentemente, não será por aqui que se poderá explicar a "humanização", se bem que esta análise seja fortemente influenciada pela tendência dos genes codificantes de proteínas do sistema imunológico e envolvidas na reprodução serem muito variáveis, pelo que a respectiva comparação com as outras proteínas, em termos de variabilidade, poderá não ser a mais correcta.
2. "Menos é mais". A evolução para humanos pode ter seguido esta via, ou seja, a perda de função por substituições não-sinónimas e inserções/eliminações (ou até perda física por eliminação) de alguns genes pode ter levado à "humanização". Como exemplos, temos a perda de pilosidade corporal e a manutenção de características infantis no adulto como o crânio de elevadas dimensões em relação ao corpo (designado por neotenia, e que está ligada à curta gestação dos seres humanos, se comparada com outros seres vivos, devido às grandes dimensões do crânio).
3. Alterações da regulação da expressão. A regulação da expressão de genes está ainda mal avaliada pois é necessário identificar as regiões dos genomas que têm essa função, para além dos promotores de cada gene que podem ser afectados por substituições e inserções/eliminações. É uma hipótese promissora se considerarmos os exemplos da intensa actividade de regulação da expressão génica que permite que células de um mesmo organismo (logo com a mesma informação genética) possam ter morfologia e funções metabólicas totalmente diferentes. Este terceiro mecanismo é defendido por Hill e Walsh (Nature 437: 64-67), que no artigo no mesmo número da Nature, referem haver indicações de vários estudos apontando para mais modficações da expressão de genes no cérebro ao longo da história evolutiva da linha humana em relação à dos chimpanzés. Referem ainda outros estudos que apontam para mais modificações da expressão de genes no cérebro do que no fígado na evolução humana.
As diferenças evolutivas fundamentais que nos separam de todos os outros seres vivos parecem corresponder a alterações genéticas ainda não compreendidas mas que, já o sabemos, não são aquelas evidências simples e praticamente auto-explicativas. Os genomas são complexos e os seres vivos ainda o são mais; pequenas alterações podem ter grandes consequências e grandes alterações nenhuma.
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