No seu post mais recente no Blasfémias, intitulado incorrectamente (acho eu) "Evolucionismo vs. Criacionismo: o estado do debate II", João Miranda coloca o evolucionismo em confronto com o criacionismo, mas aquilo que se limita a dizer é considerar que a ciência não é exclusivamente empírica (concordo), havendo uma componente racionalista importante (também). Sinceramente, continuo sem saber aonde é que entra aqui o criacionismo (por isso é que acho que o título está desadequado). Não sei se consciente ou inconscientemente, nesse texto não aparece uma única vez a palavra Deus, o que é de estranhar uma vez que é duma divindade inteligente e criadora do universo e da vida de que se fala quando se evoca o criacionismo.
Em conjecturas puramente teóricas poder-se-á chegar a um desígnio inteligente, a Deus, mas é no confronto com observações, com dados colhidos na experimentação que as conjecturas vão ser postas à prova. No caso do evolucionismo (quando evocado, fala-se de darwinismo), o avanço tremendo das ciências biológicas desde os finais do século XIX, passando pela biologia celular e genética (teoria cromossómica da hereditariedade, por exemplo) e biologia molecular (descoberta da estrutura do DNA, as mutações dos genes, transcrição, tradução, etc) até à genómica (com o advento da tecnologia de sequenciação de DNA em larga escala), o modelo que lhe é subjacente não sofreu praticamente nenhuma beliscadura. Tanto assim é que passou a falar-se de neodarwinismo porque o modelo criado por Darwin foi tão robusto não só resistiu à evolução científica como englobou os novos conhecimentos, a anos-luz de distância do conhecimento científico da sua época. É esta a força da ciência, os modelos teóricos ou conseguem explicar as novas observações (cada vez mais com técnicas analíticas mais refinadas) e mantém-se válidos, ou não os conseguem explicar e são postos de lado. Corrijam-me se estiver errado, mas nunca vi um único dado científico que sugerisse o criacionismo. E não vale avançar com o criacionismo quando se apontam "fragilidades" no evolucionismo; é que o evolucionismo afirma-se pela positiva (as observações vão-no corroborando) e aquilo que me é dado ver é a afirmação do criacionismo pela negativa, ou seja por enumeração de observações que eventualmente não sejam integradas no evolucionismo sem, porém, o refutar.
Em todos os textos científicos que me passam pela frente na minha actividade diária (e suponho que em todos os textos científicos sujeitos credíveis), nunca aparece a palavra Deus ou expressões como "criação espontânea", "desígnio inteligente" ou qualquer expressão que manifeste um propósito existencial duma proteína, de um indivíduo ou de uma espécie. E no entanto a ciência avança!
1 comentário:
Com curiosidade observei nos últimos dias artigos que tratavam da polêmica sobre o Design Inteligente (DI) e notei que parte da discussão enveredou, saindo um pouco da defesa ou do ataque polarizado, para notar a pobreza crítica ou, para dizer melhor, a quase ausência, num único autor, de um esforço pelo contraditório. Por vezes, parece-me, a melhor maneira de refutar um oponente é ajudá-lo a defender-se. Talvez se devesse experimentar a escaramuça e perguntar se é possível que a DI seja uma tese cientificamente válida e esforçar-se por defendê-la.
Identifiquei no Blogómica o estranhamento de todos frente ao caso, bem como a contraposição. Por aqui, no Jornal da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência de 14.11.2005 e 30.11.2005 dois artigos materializaram ataque e contra-ataque, e não posso dizer que houve vantagem de um lado sobre o outro. Essa impressão não se desfez com o tempo, ao contrário. O argumento “criacionista” migrou para foros críticos (mutatio controversiae?), e passou-se a defender o ensino relativista da teoria darwiniana.
Do que se pode ler na Rede, vai-se do abstruso comentário lamentoso desencadeado pela declaração papal, comparando alegoricamente o Cristo a uma “mutação” que conduziria a humanidade à sua maioridade, ao científico dogmático, chegando (de passagem) em Ann Coulter (http://en.wikipedia.org/wiki/Godless:
_The_Church_of_Liberalism). Nisto tudo tem-se sobremaneira a instanciação monomaníacas, embuçada no seu hábito. Consoante a isto, o editor da Federation of American Societies for Experimental Biology no FASEB Journal, manifestou aqui (http://www.fasebj.org/cgi/content/
full/20/3/405) compreensiva preocupação com a tolerância às “ciências alternativas ou complementares” como a homeopatia, quiropatia, Ayurvédica, aromaterapia, terapia de cristais, etc., além da “medicina quântica”, “ortobiomolecular”, que eu próprio testemunhei ser uma oportunista cavilação no tecido retórico pós-moderno. Weissmann, o editor da FASEB, põe esse pensamento “complementar” como causa de que não se estranhe mais tanto teses com a natureza do DI. Por outro lado, o próprio hábito mental aqui parece existir também na indolência dos escudeiros do evolucionismo, que por vezes parecem apreçados ao tentar lembrarem-se de argumentos que não lhes surge tão de pronto como parece-lhes que deveriam.
O argumento criacionista me constrange quando declara que
“Ernst Mayr, o mais eminente dos darwinistas, afirmou: 'A biologia evolutiva, em contraste com a física e a química, é uma ciência histórica – o evolucionista tenta explicar eventos e processos que já aconteceram'” (Enézio E. de Almeida Filho, JC de 30 de Novembro de 2005).
Ver essa declaração de Mayr na boca de um criacionista parece-me ainda mais curioso que todo o resto; por ser geólogo, sei que os geólogos pensam saber sobre o passado, mergulhado em névoa metafísica, mais do que sabem de fato. O desgraçado é que vejo que podemos fazer pouco contra o uso dessa declaração, que joga a evolução para trás do horizonte nevoento das eras geológicas.
Estranho, por fim, a discussão não entrar mais a fundo nas teses Emergentista e da “Ressonância Mórfica”, de Rupert Sheldrake (http://www.sheldrake.org/homepage.html), que parecem ser o caminho do meio para a discussão que se pretende científica sobre “inteligências” na natureza e ao longo da história da Terra. Quero sugerir também o artigo “A luta dos monstros” (http://www.olavodecarvalho.org/
semana/060626dc.html), do Filósofo Olavo de Carvalho.
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