quarta-feira, janeiro 31, 2007

Por outro lado...

Uma visão oposta à exposta no post anterior surge numa carta (Nature 444, 31; 2006) dirigida à Nature em que Fenchel, Esteban e Finlay defendem o estudo das propriedades fenotípicas dos micróbios em detrimento da determinação das sequências genéticas para a compreensão da diversidade microbiana na natureza. Isto surge na sequência duma comunicação de Rothschild, também à Nature (Nature 443, 249; 2006) num tom bem mais frontal, apelando à honestidade intelectual na escrita de artigos através da referência aos micróbios recalcitrantes simplesmente como de cultura não conseguida ou não tentada. É muito frequente este tipo de erros, o que leva a pensar que muito do trabalho de revisão dos artigos propostos para publicação não passa de rotina. De facto há uma enorme diferença entre microrganismo não cultivável e mircorganismo de cultura laboratorial mal sucedida com os recursos usuais em microbiologia. Em rigor é disto que se trata sempre.

Há também aqui um espírito de "defesa do meu quintal"; se por um lado há modas que levam praticamente uma comunidade científica inteira a explorar um problema científico pela mesma abordagem (por causa duma tecnologia mais recente e inovadora - o último grito! - e/ou no posicionamento estratégico de captação de financiamento exibindo actualização tecnológica e científica), por outro tenta-se defender as abordagens tradicionais clássicas duma maneira fechada à inovação. Aquilo que me parece é que se vai passar a mesma história de sempre, ou seja, os "clássicos" vão ganhar com as novas metodologias, em termos de novo conhecimento e da inovação na abordagem científica, e os "inovadores" vão precisar dos "clássicos" para analisar e validar as suas abordagens. Afinal, quando se isola um gene não tem que se perguntar qual é a função da proteína que codifica?

quinta-feira, janeiro 25, 2007

O triunfo de Lamarck?*

Se se isolar e sequenciar DNA de solo colhido de uma fonte hidrotermal, devem-se identificar genes que codificam para proteínas com potencial em termos de resistência a temperaturas elevadas (as aplicações biotecnológicas destas proteínas são enormes na investigação, clínica, indústria alimentar, indústria química, etc). Esta é a abordagem metagenómica; estudo de genomas obtidos a partir de amostras de fontes naturais (habitats de microrganismos). Se a abordagem é com um fim de aplicação biotecnológica, nem é preciso ter-se o trabalho de identificar os organismos a que pertencem os genes identificados. Aliás, mesmo para estudos fundamentais, a visão de que há genes que são partilhados por genomas de espécies diferentes numa comunidade microbiana (transferência horizontal de genes) está a ter forte aceitação. Um dos exemplos é a publicação na Nature de um pequeno ensaio anunciando a próxima revolução da Biologia em que o último autor é Carl Woese (esse mesmo, das arquebactérias). Assim, há genes que se transferem livremente entre eubactérias e arquebactérias, entre arquebactérias e eubactérias, entre estirpes de cada um destes grupos filogenéticos e entre vírus e todas as células. Todo este processo é dinâmico e estará dependente das condições ambientais, provocando a mudança de hospedeiro por parte de genes (o triunfo, se é que precisa dele, também é de Richard Dawkins com esta extensão do seu conceito de gene egoísta). Em microbiologia, quando se faz o isolamento de microrganismos em colónias não é mais do que uma análise puramente conceptual da comunidade microbiana de que se parte, pois cada estirpe isolada não fará sentido biológico sem a presença dos restantes membros da comunidade.

No seu ensaio, Goldenfeld e Woese consideram que os primeiros passos evolutivos foram feitos segundo o modelo lamarckiano de transferência genética horizontal, com predomínio sobre o modo vertical, e que o fluxo de genes numa população (em que incluem também energia e matéria) vai abrir campo a uma Biologia mais quantitativa com modelos teóricos com capacidade de previsão, como a biologia de sistemas, fazendo com que se assemelhe com a Física.

*Há também uma referência a Darwin (o título deste post poderia induzir em erro se não o mencionasse) em que os autores refutam a colagem do darwinismo à evolução. Não negando a sua importância, afirmam que outros mecanismos devem ser considerados.


Foto: Galerie des naturalistes de J. Pizzetta, Ed. Hennuyer, 1893

terça-feira, janeiro 23, 2007

Transportador molecular

As nanomáquinas prometem muito. Está aqui um exemplo, com implicações biomédicas evidentes, de uma molécula (a antraquinona) que tem a propriedade de andar numa superfície polida de cobre em linha recta e que ainda tem a capacidade de se ligar a duas moléculas de dióxido de carbono, transportando-as. A equipa de Ludwig Bartels filmou esta caminhada recorrendo ao microscópio "scanning tunneling", que permite detectar correntes eléctricas fracas à escala atómica (0,2 nanómetros) e assim ter imagens de moléculas numa superfície. O resultado é tão fantástico que até é possível ver a dependência da velocidade da antraquinona em relação à carga de dióxido de carbono que carrega (0, 1 ou 2 moléculas).

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Estes não são marcianos


A acção microbicida do peróxido de hidrogénio (a água oxigenada das farmácias) está patente nesta placa em que se evidenciam 5 estirpes mutantes da levedura de panificação (cada estirpe ocupa uma linha com diferentes diluições da suspensão celular usada como inóculo; mais diluída da esquerda para a direita) num meio de cultura com peróxido de hidrogénio. Claramente a estirpe do meio é a mais sensível pois é a que forma menos colónias no meio.

É intrigante verificar que este composto existe dentro das células e até é instrumentalizado por células como os macrófagos na sua acção microbicida. O peróxido de hidrogénio está permanentemente a ser produzido (na verdade em todas as células com mitocôndrias e peroxissomas) como consequência da actividade da cadeia respiratória mitocondrial e do metabolismo peroxissomal. Numa situação normal é decomposto a água e oxigénio numa reacção catalisada pela catalase. Quando a produção excede a capacidade de degradação da catalase, o peróxido de hidrogénio reage por oxidação com macromoléculas, particularmente DNA, proteínas e lípidos. Aqui é que começam a surgir os problemas para a célula com degradação de estruturas celulares e alterações do DNA.

Os putativos marcianos referidos por Schulze Makuch, baseiam-se no peróxido de hidrogénio o que confere protecção contra o frio pois o ponto de congelação decresce com o aumento da sua concentração e contra a secura pois é fortemente higroscópico. Assim, nos testes realizados pela Viking no final dos anos 70, em que se adicionava água e carbono radioactivo a solo marciano, os marcianos terão produzido algum CO2 (radioactivo por causa do carbono) e depois morreram por afogamento (o peróxido de hidrogénio intracelular recrutou a água). Deste modo, a produção de CO2 parou subitamente e o material orgânico foi destruido pela libertação do peróxido de hidrogénio das células que rebentaram com a água. Na ficção científica dos filmes dos gloriosos anos 50 e da banda desenhada, a história do contacto com marcianos não era bem assim.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

O dia 7 de Janeiro de 2007 pode ficar na História

Esta é a data daquela que poderá ser a primeira comunicação científica reportando a existência de vida extra-terrestre. Excitante!

domingo, janeiro 07, 2007

"Procurar uma agulha que não está no palheiro"

Em vez de pesquisar sequências de nucleótidos ou de aminoácidos em organismos, Greg Hampikian procura sequências que não existem. A hipótese de trabalho é que tais sequências podem ter sido seleccionadas para a sua eliminação por serem letais para uma espécie ou para todas. Para esta pesquisa foi desenvolvido software para o cálculo de todas as sequências de pequena extensão possíveis de nucleótidos e pesquisar no Genbank a sua existência (inexistência neste caso). Depois é preciso ir para o laboratório para testar a actividade biológica destas sequências para seleccionar as que são de facto letais.

Se estas sequências existem, abrem-se novas perspectivas na engenharia genética, pois poder-se-á programar o tempo de vida de qualquer organismo portador duma destas sequências sob a acção de um regulador de expressão activável. Há também a possibilidade de aumentar o arsenal terapêutico antibiótico com os péptidos letais. Por outro lado, as sequências não letais identificadas poderão servir de marcação genética de organismos com vista à sua detecção e identificação.

sábado, janeiro 06, 2007

Código de barras taxonómico


É quase o Santo Graal da Taxonomia ter um teste simples e rápido capaz de identificar espécies. Isto pode estar mais perto do que se poderia imaginar com o projecto The barcode of life que consiste em determinar um marcador de DNA cuja sequência poderá discriminar espécies. Para alguns grupos filogenéticos como peixes e aves é usada a sequência da citocromo oxidase I mitocondrial, noutros grupos como os fungos ainda não está definido o marcador a usar. Há um consórcio mundial (e um blogue) criado para o tratamento dos dados e definição dos marcadores para que virtualmente seja possível identificar qualquer organismo ao nível de espécie com uma simples sequenciação de uma pequena região do genoma.

O rastreio da biodiversidade no planeta poderá vir a ser possível quando reacções de PCR e sequenciação de DNA puderem ser feitas rapidamente em pequenos aparelhos portáteis no terreno (neste campo os progressos são assinaláveis).

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Para um ensino mesmo

O dedo na ferida por Desidério Murcho no comentário ao livro "Desastre no Ensino da Matemática: Recuperar o Tempo Perdido", organizado por Nuno Crato (Gradiva, 2006). Saiu hoje no PÚBLICO (só para assinantes) e acessível aqui.

Copio o destaque do PÚBLICO a esta frase com a qual não poderia estar mais de acordo:

As desastrosas doutrinas pedagógicas que imperam em Portugal, algo pós-modernaças e "construtivistas", são elitistas — apesar de fingirem o contrário — e têm por denominador comum um ódio visceral às ciências, à matemática, à história, à gramática, à literatura, à filosofia; enfim, a tudo o que se pareça com verdadeiros conteúdos escolares.

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Fica para o ano

Pois é, o Blogómica não está nesta lista. Mas há esperança: dos 10 blogues mais populares, 7 são de cientistas da área das ciências da vida.

Segurança de produtos alimentares provenientes de clones


O tema é dado à produção de muito ruído afectando uma análise ponderada do problema da clonagem de animais com fins comerciais para alimentação humana. Por um lado há pressões por parte de defensores da proibição das técnicas de clonagem e por outro há interesses comerciais fortes nestas tecnologias. Para já a análise do centro de medicina veterinária da Food and Drug Administration (FDA) a toda a informação disponível em publicações com arbitragem científica aponta possíveis riscos acrescidos no consumo dos produtos derivados de clones em relação aos animais resultantes de técnicas de reprodução assistida. Num documento extenso (678 páginas das quais, confesso, li apenas o primeiro capítulo referente ao sumário do estudo), formalmente impecável, houve o cuidado de definir a avaliação do risco acrescido no consumo destes produtos, pois seria pouco sério avaliar o seu risco absoluto quando há no mercado produtos resultantes de animais criados por técnicas de reprodução assistida (esta atitude de colocar a tecnologia de transferência nuclear de células somáticas na mesma categoria de outras técnicas globalmente definidas como tecnologias de reprodução assistida revela uma ausência de preconceitos de louvar). É interessante verificar que os estudos analisados foram estudos baseados em abordagens bioquímicas e fisiológicas, sendo referido que as técnicas de genómica, proteómica e metabolómica não foram consideradas por falta de padronização e validação. Há aqui também sensatez na referência explícita das técnicas consideradas na análise. Como um dos problemas é uma possível desregulação epigenética, de resto referido no documento, as tecnologias de genómica poderão vir a ser importantes neste tipo de análise num futuro provavelmente próximo em que a tecnologia dos microarrays esteja perfeitamente padronizada.

Das espécies consideradas (gado bovino, porco, ovelha e cabra) apenas os clones bovinos com idade até alguns dias após nascimento poderão trazer algum risco, limitado, aos consumidores humanos. Animais de idades mais avançadas já não apresentarão risco acrescido devido à ausência destes problemas de reprogramação genética. A sobrevivência ao período perinatal contribui para esta conclusão assim como os animais que sobrevivem a gestações resultantes de reprodução sexuada por meios exclusivamente naturais também são saudáveis ao contrário dos que não sobreviveram até ao fim da gestação ou ao fim de alguns dias após o nascimento.

O documento está disponível aqui para análise dos interessados. A FDA abriu o documento à discussão pública; quem quiser pode submeter comentários por via electrónica.